sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O parto

Tito nasceu em 2 outubro de 2009 às 2:12h da madrugada, após 24 horas de trabalho de parto, com aprox. 4h de período expulsivo, às 42 semanas de gestação. Foram muitas horas na banheira, e as horas finais me movimentando para estimular as contrações. Tito nasceu na nossa cama, num parto lindo, emocionante, com a participação intensa do pai, com os cuidados responsáveis e carinhosos da equipe. Mamou assim que nasceu e seu cordão só foi cortado depois que parou de pulsar. Não houve laceração perineal, nenhum tipo de corte. Com peso 3680g e com apgar 10/10. Tive uma hemorragia acima do normal depois que ele nasceu, que foi rapidamente controlada pela equipe com injeção de medicamentos. Desde o primeiro momento fora do útero, Tito não saiu de perto de mim e não sofreu nenhuma intervenção médica. Somente o colo da mamãe, era tudo o que ele precisava.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Relato da Parteira

Já era tarde da noite, umas 10 ou 11h, não sei. As contrações não pararam desde a madrugada daquele dia. Não deram trégua, uma após a outra, fizeram aquele pequeno ser abrir caminho entre os ossos, músculos e tecidos da sua mãe. A cada contração, as mesmas dúvidas, ora pensadas, ora faladas: até onde isso vai? Quando isso vai acabar? Quanto eu consigo aguentar disso? Por que não acaba? A que horas nasce essa criança? Nós mulheres modernas somos teimosas e queremos dar uma roupagem racional ao mais irracional e imprevisível dos eventos: o nascimento humano.

No caso da mãe em questão, Fernanda, tudo conspirou a favor. Uma casa com cara de lar, um marido querido e amoroso, uma equipe consciente das suas potencialidades, um dia bonito que começou gelado como uma manhã do inverno que se despedia e que terminou quente com o bafo inspirador da primavera. Fernanda sempre soube o que queria para o nascimento do seu filho: paz e privacidade. Ela sabia que a única chance de ter ambos garantidos era se permanecesse em casa. Escolheu uma parteira e uma pediatra para receber seu filho, e uma doula com quem já tinha uma íntima ligação desde meados da gravidez. Esse seria o seu time, a sua troupe, a sua torcida. A nós caberia o respeito à fisiologia do parto e à privacidade da família, o suporte nas horas necessárias e as intervenções em eventuais ocasiões.

O corpo de Fernanda funcionou como todas as suas ancestrais que garantiram sua presença aqui nesse planeta. Ocitocina natural, que provocava fortes contrações, a intensa sensação de estar se dividindo sob todos os aspectos, as endorfinas que confundem, amenizam e tiram a noção de tempo e espaço. O útero se contraindo e empurrando Tito contra o colo do útero, que se abriu milímetro por milímetro. Como pode um ser tão frágil e indefeso atravessar todo esse processo? Claro que ele também recebeu os mesmos hormônios que a sua mãe produzia, e a endorfina inundou seu pequeno corpo, seu pequenino cérebro, e trouxe apenas prazer. Horas e horas de prazer, pois que não havia dor, apenas endorfina! A cada contração ele sentiu o abraço amoroso da sua mãe, ouviu a inconfundível voz confortante do seu pai, e a onda gigante de endorfina. Que viagem essa do Tito!

Claro que a viagem da Fernanda foi outra, pois se as contrações provocavam uma sensação intensa, além das endorfinas ela sentiu dor a cada onda que vinha trazer seu filho. O parto é ambíguo para a mulher, cada contração traz para mais perto o momento de conhecer seu filho, mas também provoca medo, dúvidas, dor, e por vezes angústia. Muitas dúvidas! Mas Fernanda sabia o que queria, mesmo quando, lá pelas 10h da noite perguntou: "Por que mesmo eu escolhi um parto em casa?". E nas intermináveis manifestações de bom humor que acompanham essa mulher desde o primeiro dia em que nos conhecemos, Fernanda encontrou as forças para enfrentar essa desafiante jornada - a de trazer seu filho ao mundo de forma natural, integral, orgânica, íntima. Dor e prazer, desconforto e alegria, suspense e ansiedade.

Naquelas longas horas da tarde, da noite e do início da madrugada, as outras quatro mulheres daquela casa estavam ali com o único compromisso de ajudar Fernanda, na medida do possível, a trazer seu filho Tito ao mundo da melhor forma que ela podia. A cunhada Camila, eu (parteira), a Maíra (doula), Ana Paula (pediatra). Cada uma com a sua função, mas todas com um só objetivo. E o Felipe, marido gêmeo, se entregou igualmente ao espetáculo, integrando-se à dupla, acreditando com todas as suas células na capacidade de sua mulher. Juntos eles atravessaram o túnel desconhecido para ambos, acolheram a tempestade, enfrentaram seus lobos, renovaram seus votos, se admiraram mutuamente e tiveram a certeza de seu amor. Souberam que fizeram uma boa escolha ao selarem a união através da escolha da maternidade/paternidade.

Apesar de todas as dificuldades, das longas horas de espera em contrações, das intermináveis horas de força e força e força, Fernanda não perdeu a sua fé, tampouco Felipe. Eles sabiam, e nos pouco momentos em que Fernanda demonstrava uma sombra de dúvida no cenho, Felipe redobrava seu carinho. sua fé, sua esperança e sua certeza na capacidade dela em fazer aquilo acontecer. Como se fosse num tango ensaiado à exaustão, quando um recuava, o outro avançava, certos de que aquele espaço vazio deveria ser imediatamente preenchido pelo outro. Juntos e abraçados eles avançaram passo a passo, movimento a movimento, naquela perfeita dança assimétrica. Contração após contração, hora após hora, centímetro após centímetro.

A manhã, a tarde, as horas sombrias da noite, a calada da madrugada. Os gemidos, a exaustão, as lágrimas. Os primeiros puxos, "Meu Deus, eu esperei tanto por isso, meu filho, meu Tito, venha para a sua mãe". O coração cadenciado do Tito, seguro e forte, tum tum tum tum tum 130, 140 vezes por minuto. O corpo já vagaroso de Fernanda, a força redobrada de Felipe, a descida lenta e destemida do Tito, milímetro por milímetro, a bolsa das águas aparecendo, finalmente rompida, as águas límpidas que protegeram Tito por nove meses, o cansaço, as esperanças indo e vindo, as ondas. Mudança de posição, deita, levanta, anda, acocora, cochila. Felipe a cada minuto mais forte e desperto. Fernanda tem medo, eu vou conseguir?

Sim, Fernanda, você já conseguiu, daqui não volta mais, coragem minha querida! O óleo quente no períneo, a cabeça avançando, os cabelos negros e úmidos, a força a força a força. Nada mais pode deter os três, Felipe quer ser pai, Fernanda quer ser mãe, Tito quer ser gente! A coroa, o movimento de avanço e recuo, a última força, vamos Fernanda, está acabando querida! Eu estou com medo! Coragem Fer, coragem, está nascendo! A testa rósea do Tito, o pequeno nariz, as orelhinhas e as bochechas, a careta, o queixinho. Eu não acredito, querida, nosso filho está nascendo! Ele gira a cabeça devagar, mais uma força Fer, ele vem lento pra não machucar sua mãe, um ombrinho espremido, o outro, "Meu Deus que aflição", Fernanda, está aqui, seu filho.

O primeiro choro fraco, gentil, os bracinhos estendidos, quem vai me pegar? Felipe, venha aqui receber seu filho e colocá-lo nos braços da mãe. Querida, eis o nosso filho, como ele é lindo, obrigado, obrigado, obrigado. Fernanda recebe Tito, já com saudades, apara-o em seus braços e promete internamente fazer tudo para protegê-lo e amá-lo para sempre. Agora sim, entre os líquidos da bolsa, das lágrimas, do suor, tudo se funde nessa experiência de tamanho infinito: nasceu Tito, nasceu Fernanda mãe, nasceu Felipe pai. Ali, no
aconchego da cama onde tudo começou, o final feliz. Uma família fundida através de intensas emoções.

E nós da equipe, abençoadas testemunhas do espetáculo da vida, ao mesmo tempo o mais intenso, e o mais simples! Tudo começado, vivido
e terminado no mesmo local, na casa da Fernanda e do Felipe. Ali fomos recebidas com carinho, deixamos nossa marca e fomos marcadas para sempre, na alma e no coração.